quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Folha

Folha amarelada e quebradiça. Era o coração da menina. Deixara tudo que era de lágrima e sal guardado entre páginas de um álbum antigo, poeira de vida arquivada e esquecida.

Dispensara poemas, abandonara de vez os sorvetes coloridos e as roupas de tom vibrante. Vivia de bege, cor insípida, austera, vaga.

Era frágil. Já fora sonhadora, gostava secretamente das gargalhadas da avó, dos dedos enrugados de água por muito tempo, das borboletas que flertavam com seu ombro franzino de moça que dispensava bolas e bicicletas. Há tempos, só pensava mesmo. Sua leveza escapara junto com o rubor das bochechas e os arrepios sem frio. Solidão, não solitude.

Certo dia, enquanto se equilibrava no meio fio cantarolando bossas, sentiu um calafrio. Logo veio a tonteira, em seguida o nada. Cabeça na placa de cimento. Acordou entre as mãos de uma senhora gorducha e florida, de lábios rosados e sobrancelhas pontudas. Correu muda de volta para seu quartinho de quina. No caminho para a casa foi observada, sem perceber.

Clarice sempre tinha sido alheia aos olhos que a cercavam. Era de uma beleza tímida , perdia fácil para toda e qualquer exuberância ou desembaraço que vinha com um par de pernas e cabelos compridos.

Fato é que do desmaio à fuga ela tinha sido seguida por olhos interessados.

Conheceu o rapaz. Tudo pareceu ótimo por cinco minutos, até ele desaparecer.

Dia seguinte ela desfaleceu de novo. Agora, sem socorro. Dormiu com as borboletas.

Um comentário:

  1. Que ao menos as borboletas flertem nos nossos ombros, para que a solidão possa metamorfosear e sair do casulo na forma livre de solitude desfalecida. Deste modo, nós a despertaremos e a aproveitaremos. Nem que seja por cinco minutos, até que desapareça.

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