terça-feira, 18 de agosto de 2009

Boléia

Mirna andava com um aperto. Chato pra burro. Estava sozinha há tempos, tendo como companhia somente Heleneta- pulga-residente de sua orelha esquerda-, Bonifácio- gato vira-lata de meio bigode e rabo de toco-, e Emerinda- tia postiça que falava em língua de provérbios inventados (inspirados livremente em seus romances de estrada).

A tia emprestada morava no sobrado da esquina, um casebre que mais tinha céu do que teto. Era gente boa, sabia fazer uns quitutes alemães que levantavam o astral até de vendedor de enciclopédia em terra de analfabeto. A velhota sacudida adorava ouvir sambinha de esquina, mexer os quartos em ritmo de lambada e suspirar casualmente sua sabedoria de botequim de posto: “Quem tudo quer... tudo pede!”*, “Em terra de cego, quem tem um olho é caolho...”*.

No fundo, Mirna sabia que tudo era questão de tempo. O problema é que essa indefinição de ponteiro e métrica estava deixando os hormônios da moça alterados. Ela já tinha tentado de tudo pra amenizar esse perrengue físico-emocional. O corredor da moça era um tívole pra formigas: latas de leite condensado vazias e lambidas; maçãs meio mordidas; cascas de amendoim torrado; migalhas de broa e Apfel Strudel, e assim por diante. Dona Emerinda tentava de tudo pra ajudar a menina, da gastronomia até os conselhos eventuais:

“Não esquente Mirna, casar é bom. Morrer queimado é melhor ainda!* Saiba que as mulheres tem duas armas terríveis: cosméticos e lágrimas*. E se no fim das contas tudo der errado, lembre-se: A união faz o açúcar.*”

Sem perspectivas a pequena devoradora de doces vagava pelas ruelas chutando lata vazia e soprando teia de aranha. Até que...

Surge uma amendoa. Tropeçou. A semi-queda trouxe a atenção de Fabrício, turista petropolitano em busca de aventura. A verdade é que estava perdido; trazia seu equipamento de rapel nas costas e já completava a quinta volta pelo bairro desconhecido.

Um não era o sonho do outro, mas no fim das contas, como dizia Emerinda, “antes tarde do que mais tarde*, agarra o que aparecer e vai pro abraço.”


*Frases tiradas de http://www.osvigaristas.com.br/frases/caminhao/. Vale a pena.

5 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Divertoso! Mais ainda pra mim que fikei imaginando vc lendo as frases de para-choque de caminhão e compondo o texto! Hehehe!

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  3. Só tenho uma coisa a dizer:
    "Deus é dez ( com filipeta até a meia-noite)"

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  4. tia emerinda só podia ser caminhoneira , nunk vi entender tanto das coisas e de gente !
    a estrada é longa , e os caminhos renovados , há desvios de rota , e fugas da rotina , às vezes os hormônios se perdem , não são tão inteligentes e atentos , por isso não é aconselhável acelerar nos atalhos já encurtados .
    a pulga na orelha pula pra fora se mirna repousar a cabeçinha no bonifácio !

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  5. Olá! Parabéns pela iniciativa. Saudades de você. bjks e muito sucesso
    H.Navarro
    www.hnavarro.com

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